Ministério da Justiça recomenda fim de cantinas em cadeias

Campo Grande, 30 de abril de 2024
Facções estariam monopolizando comércio nos presídios

O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, publicou uma recomendação para que os Estados acabem com as cantinas nas unidades prisionais. A recomendação consta no Diário Oficial da União (DOU), do dia 1º de abril.

Segundo o documento, o artigo 13 da Lei de Execução Penal, assim como artigo 173, caput, da Constituição Federal, estabelecem a possibilidade de existência de locais destinados à venda de produtos nos estabelecimentos prisionais, mas destaca que “precisa ser compreendida apenas como uma medida excepcional”.

O texto aponta que existe impeditivo constitucional para que o Estado se responsabilize pelo comércio das cantinas, e também que é extremamente problemática a atuação de empresas privadas, que visam o lucro, independente do compromisso com a segurança do estabelecimento prisional.

Conforme a recomendação, a existência de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a problemática das cantinas em unidades prisionais, apontando ainda “falha do poder estatal em fornecer itens básicos de sobrevivência para as pessoas privadas de liberdade”.

“O cenário oriundo desta dinâmica acaba por violar severamente o Princípio da Intranscendência da pena, eis que as famílias, mesmo sem acesso ao auxílio reclusão se veem obrigadas a amparar economicamente seus parentes privados de liberdade, não raras vezes comprometendo a alimentação, vestuário e demais necessidade básicas de crianças, adolescentes e idosos”, diz trecho do documento.

Ainda segundo o Conselho, as organizações criminosas, historicamente, ocuparam os espaços e ganharam força justamente a partir das falhas do Estado na garantia de estruturas mínimas de controle nos estabelecimentos prisionais, bem como na violação de direitos humanos, especialmente no tocante à escassez de recursos destinados a suprir as necessidades mais básicas do indivíduo encarcerado.

“As chamadas cantinas acabaram constituindo-se em um espaço que propicia a atividade das organizações criminosas, uma vez que a escassez de alimentação e demais itens essenciais à sobrevivência no cárcere acabam por concentrarem-se nesses locais de venda e são monopolizados pelos presos com maior poderio”, assim escrito no texto.

Confira abaixo a recomendação:

RECOMENDAÇÃO Nº 2, DE 26 DE MARÇO DE 2024

Estabelece recomendação visando a não expansão das chamadas “cantinas” em estabelecimentos penais e, atuação os entes federados para o encerramento das existentes, vendando-se a comercialização de produtos e afins.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais, e

CONSIDERANDO que, embora ainda previsto na Lei de Execução Penal, em seu artigo 13, que o estabelecimento prisional disporá de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração, a prática tem se mostrado, ao longo dos anos, um dos grandes problemas na dinâmica carcerária;

CONSIDERANDO que, embora a existência da referida previsão, a legislação nacional e os normativos internacionais são categóricos ao afirmar que a assistência material ao preso e ao internado é de responsabilidade do Estado.

CONSIDERANDO, ainda, que está expressamente previsto na Lei de Execução Penal, no rol dos Direitos do Preso, a alimentação suficiente e o vestuário (art.41, inciso I);

CONSIDERANDO que, dada sua importância para compreensão da mens legis, diferente do que normalmente ocorre, a Exposição de Motivos da LEP (Exposição de Motivos nº 213, de 9 de maio de 1983), embora bastante explicativa em relação à previsão de “Assistência”, é totalmente omissa em relação à previsão da existência de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração;

CONSIDERANDO quem, nesse sentido, resta evidente que a previsão do art.13, que contempla a possibilidade de existência de locais destinados à venda de produtos nos estabelecimentos prisionais, precisa ser compreendida apenas como uma medida excepcional, à luz das demais extensas previsões que obrigam o estado a ofertar itens essenciais aos presos;

CONSIDERANDO a previsão do art. 173, caput, da Constituição Federal que a exploração de atividade econômica pelo Estado, como ocorre via de regra na comercialização dos produtos das cantinas, deveria ocorrer apenas em caráter excepcional;

CONSIDERANDO que, além de existir impeditivo constitucional para que o Estado se responsabilize pelo comércio das cantinas, também é extremamente problemática a atuação de empresas privadas, que visam o lucro, independente do compromisso com a segurança do estabelecimento prisional;

CONSIDERANDO os resultados obtidos em breve pesquisa na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, realizada em março de 2023, tendo como categoria de busca “cantina” e “estabelecimentos prisionais” e “presídios” e “penitenciárias”, foram localizados diversos acórdãos e decisões monocráticas, cuja leitura dos fatos confirmam a problemática acima indicada;

CONSIDERANDO que a dinâmica a falha do poder estatal em fornecer itens básicos de sobrevivência para as pessoas privadas de liberdade;

CONSIDERANDO que o cenário oriundo desta dinâmica acaba por violar severamente o Princípio da Intranscendência da pena, eis que as famílias, mesmo sem acesso ao auxílio reclusão se veem obrigadas a amparar economicamente seus parentes privados de liberdade, não raras vezes comprometendo a alimentação, vestuário e demais necessidade básicas de crianças, adolescentes e idosos;

CONSIDERANDO que as organizações criminosas, historicamente, ocuparam os espaços e ganharam força justamente a partir das falhas do Estado na garantia de estruturas mínimas de controle nos estabelecimentos prisionais, bem como na violação de direitos humanos, especialmente no tocante à escassez de recursos destinados a suprir as necessidades mais básicas do indivíduo encarcerado;

CONSIDERANDO que as chamadas “cantinas” acabaram constituindo-se em um espaço que propicia a atividade das organizações criminosas, uma vez que a escassez de alimentação e demais itens essenciais à sobrevivência no cárcere acabam por concentrarem-se nesses locais de venda e são monopolizados pelos presos com maior poderio resolve:

Art. 1º RECOMENDAR aos entes federados que não expandam as chamadas “cantinas” em estabelecimentos penais e, atuem, imediatamente, para o encerramento das existentes, vendando-se a comercialização de produtos e afins.

Art. 2º Esta disposição entra em vigor na data de sua publicação.

DIEGO MANTOVANELI DO MONTE

Relator

DOUGLAS DE MELO MARTINS

Presidente do Conselho

 

Fonte: VGN Notícias

Foto: O Livre