Supremo vai retomar análise sobre violação de sigilo de celular de suspeito

Campo Grande, 11 de março de 2024

O Plenário do Supremo Tribunal Federal incluiu na pauta de 13 de março o julgamento que discute se provas obtidas em aparelho celular encontrado no local do crime são lícitas ou violam o sigilo telefônico.

O caso, que tem repercussão geral, começou a ser julgado em novembro de 2020, mas foi suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Há três votos até o momento, dois deles contra o acesso.

O réu na ação foi denunciado por roubo no Rio de Janeiro, depois de agredir uma mulher na saída de uma agência bancária e levar a bolsa dela. Na fuga, deixou o celular cair. A vítima pegou o aparelho e levou à delegacia, onde os policiais acessaram a lista de contatos e o registro de ligações.

Os policiais usaram o nome do contato da última ligação efetuada e encontraram registro de visita a uma unidade prisional. Depois, imprimiram a foto do detento que recebeu a visita e mostraram à vítima, que reconheceu o criminoso. Ele foi preso no dia seguinte.

A condenação em primeiro grau foi reformada com a absolvição pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que apontou a “flagrante e indisfarçável quebra da proteção constitucional incidente sobre a inviolabilidade do sigilo dos dados e das comunicações telefônicas ali existentes”.

Segundo Marcelo Crespo, professor e coordenador do curso de Direito da ESPM e especialista em Direito Digital e Penal, a decisão sobre o recurso tem o potencial de estabelecer um precedente significativo, influenciando não apenas a forma como as provas digitais são coletadas e utilizadas nos processos criminais, mas também como se equilibra o direito à privacidade com a necessidade de justiça.

“A partir da premissa: se a perícia em um aparelho celular encontrado no local de um crime, sem autorização judicial prévia, constitui uma violação inadmissível do sigilo das comunicações e, por conseguinte, se a prova assim obtida é válida, a discussão se desdobra em várias nuances”, afirma.

“Por um lado, a tecnologia se tornou uma ferramenta indispensável para a investigação criminal, com dispositivos móveis muitas vezes contendo evidências cruciais que podem auxiliar na resolução de crimes e na condenação de culpados. Por outro lado, a expansão do uso de tais tecnologias suscita preocupações sobre a erosão da privacidade e a possibilidade de abusos”, conclui.

O advogado Aury Lopes Jr. afirma que atualmente o celular contém tantas imagens, vídeos e informações pessoais, que deve ser protegido e considerado como um “asilo inviolável do indivíduo, um lar do seu ser”.

“No mínimo, precisamos assegurar as mesmas garantias conferidas à ‘casa’. O caminho previsto para sacrificar a privacidade é o legalmente estabelecido: o ingresso em domicílio pela polícia ou o acesso ao aparelho celular, somente quando munidos de um mandado judicial fundamentado ou diante de flagrante delito, demarcando, sobretudo, a justa causa prévia neste último caso”, afirma.

“Quanto ao consentimento, deve ser dado o mesmo tratamento do ingresso em domicilio, na esteira do já decidido pelo STJ, no HC 598.051, de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, sobre os limites da busca domiciliar em caso de consentimento do morador”, prossegue.

No precedente citado, ficou estabelecido que o ingresso de policiais em residências só é válido quando há documentação por escrito e registro em gravação audiovisual da permissão para entrada.Pode acessar

Para o relator, ministro Dias Toffoli, não há ilegalidade no ato dos policiais, pois não houve acesso aos dados decorrentes de comunicação.

Segundo ele, o direito constitucional ao sigilo das comunicações pode ser afastado excepcionalmente para investigação criminal nas hipóteses e forma em que a lei permitir.

O voto traça uma distinção entre o conteúdo das conversas, cuja proteção está abarcada na Constituição, e os dados contidos no celular. Assim, o objeto protegido no direito à inviolabilidade do sigilo não são os dados em si, mas sua comunicação, a troca de informações.

No caso, a descoberta do celular levou à extração de dados que não foram objeto ou efeito de uma transmissão privada.

Para o ministro Toffoli, é razoável que os policiais examinassem o celular, porque o objeto tinha elementos de informação necessários à elucidação do crime.

“Como se pode ver, além de não ter havido violação do sigilo da comunicação de dados, o acesso a registro telefônico não acarretou risco à intimidade do acusado nem ofensa à privacidade, mormente por não resultar em acesso a dados íntimos”, concluiu.

A tese proposta foi:

“É lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF, art. 5º, incisos X e XII).”

Não pode acessar

Abriu divergência o ministro Gilmar Mendes, seguido pelo ministro Luiz Edson Fachin. Ele destacou que a doutrina de fato adotava interpretação restrita da norma constitucional de inviolabilidade, não a aplicando aos dados registrados nos aparelhos. No entanto, a evolução da tecnologia transformou os celulares em local de registro amplo de informações

Se por um lado esses avanços tecnológicos são importantes e devem ser utilizados para a segurança pública dos cidadãos e a elucidação de delitos, por outro deve-se ter cautela, limites e controles para não transformar o Estado policial em um Estado espião e onipresente.

“Não se mostra viável conferir acesso parcial às informações contidas nos aparelhos celulares, uma vez que tal posicionamento acarretaria o enfraquecimento do grau de proteção que deve ser conferido a partir das normas constitucionais e legais aplicáveis ao caso, possibilitando abusos e acessos indevidos que poderiam ser inclusive escamoteados”, concluiu.

A tese proposta foi:

“O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique , com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos indivíduos (CF, art. 5º, X e XX).”

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ARE 1.042.075

Fonte: Consultor Jurídico

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil