Descriminalização do porte de maconha, para que serve a guerra as drogas?

dentroA descriminalização do porte de drogas voltou a ser assunto no Brasil. Mas antes de tudo é necessário tomar ciência do que realmente está sendo discutido. O STF está julgando no Recurso Extraordinário 635.659 a legalidade do art. 28 da Lei 11.343/06, isto é, se uso de droga para o consumo pessoal é ou não crime.

Até o momento está vigorando a tese de que: 1) o porte de droga para uso pessoal não configura crime, mesmo que sem autorização; 2) presume-se que a droga é para o uso se a quantidade for de até 60 gramas ou 6 plantas fêmeas; 3) a presunção é relativa, se houver prova de que a droga seria para o tráfico não se aplica a presunção; e 4) a apreensão de quantidade menores exige que a justiça analise os elementos probatórios que indiquem a traficância, para quantidade maiores, o flagranteado poderá argumentar que a droga seria para uso pessoal na audiência de custódia.

É imprescindível que se discuta o assunto com seriedade e livre de preconceitos, para isso é necessário olhar os dados. O Brasil tem hoje 839.672 mil presos. Desse total, 193.001 presos são referentes ao tipo penal de Drogas, isso corresponde a 28,29% do total de presos. Em pesquisa desenvolvida pelo IPEA, se tem a informação de que 59% das apreensões de maconha foram menos de 150 gramas, ou seja, o Estado, através das polícias só estão enxugando gelo prendendo usuários e peões, os traficantes de verdade não estão sendo presos ou investigados. (https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYzZlNWQ2OGUtYmMyNi00ZGVkLTgwODgtYjVkMWI0ODhmOGUwIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9&pageName=ReportSection)

Não o bastante, 88,75% dos processos relativos à droga se originam de flagrantes, somente 11,25% são oriundos de investigação, e desses flagrantes 70,56% são realizados pela polícia militar, somente 15.49% pela polícia civil, e, em 7,89% dos flagrantes não é possível saber como o processo se originou. (Sentenciando o tráfico: o papel dos juízes no grande encarceramento / Marcelo Semer. – 1. Ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2019)

Diante desses dados, não é preciso ser nenhum gênio para entender que a guerra as drogas é de mentira, o Estado utiliza a guerra as drogas para prender pobres e abarrotar o sistema de justiça, com um peão de bode expiatório, não há tempo e nem recursos para se investigar o que realmente seria importante.

Para se ter uma ideia, os crimes contra a administração pública ou de corrupção não chegam se quer a 1% do que se é processado. Portanto, não há dúvida de que o Brasil tem como premissa penal, através da prática flagrancial, o encarceramento em massa de pobres.

O professor Juarez Cirino dos Santos ensina que: “(…) na perspectiva das classes sociais e da luta de classes correspondente, o Direito Penal garante as estruturas materiais em que se baseia a existência das classes sociais – o capital (como propriedade privada dos meios de produção e de circulação da riqueza) e o trabalho assalariado (como energia produtora de valor superior ao seu preço de mercado) – , assim como protege as formas jurídicas e políticas que disciplinam a luta de classes e instituem o domínio de uma classe sobre a outra. Em síntese, se o Direito Penal garante uma ordem social desigual, então o Direito Penal garante a desigualdade social. (Direito penal: parte geral / Juarez Cirino dos Santos. – 9. Ed. ver. atual e ampl. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2020. p. 30/31)

Em outras palavras, a elite escolhe o que o sistema jurídico penal irá enfrentar, mirando a força estatal na classe social subalterna. É o que ocorre com relação à droga, para que serve o aprisionamento em massa de pessoas flagradas com pequenas quantidades de droga? Certamente não é para diminuir o tráfico de drogas, pois, se assim fosse, o esforço estaria na investigação.