Segundo ministro, discussão sobre validades de leniência ignoram fato de que acordos nem sequer poderiam ter sido feitos pelo Ministério Público
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta terça-feira (27/2) que as discussões em torno da higidez de acordos de leniência firmados pela “lava jato” ignoram um ponto essencial: o de que o Ministério Público não tem qualquer legitimidade legal para selar esse tipo de acordo com empresas.
A declaração foi feita durante sessão da 2ª Turma que rediscutiria a decisão que anulou todas as provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day utilizadas no acordo de leniência da Odebrecht.
O caso foi retirado de pauta a pedido de André Mendonça, levando em conta decisão do ministro que deu o prazo de 60 dias para que empresas investigadas na “lava jato” revisem os acordos de leniência firmados com o Ministério Público Federal.
“Para não ficar só no tema da questão aqui trazida, queria lembrar que há uma imensa dificuldade para extrair da lei a autorização para o Ministério Público fazer acordo de leniência. Essa questão não tem sido explorada. Fruto de uma interpretação elástica da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade Administrativa, a iniciativa fez parte da estratégia para diversificar o arsenal da instituição na cruzada do combate à corrupção”, disse o ministro.
Segundo Gilmar, embora não haja nenhum dispositivo que autorize o MP a firmar acordos de leniência, os integrantes da “lava jato” criaram uma interpretação própria sobre o tema e passaram a pactuar com as empresas investigadas. A fórmula, disse, era forçar companhias, usando como moeda de troca a liberdade de empresários e a subsistência das empresas.
“E a estratégia deu certo. Entre 2014 e meados de 2017, o MPF foi a única instituição a firmar acordos de leniência. A clandestinidade está no DNA da ‘lava jato’. Os fatos são de uma gravidade que exigiria aqui uma comissão da verdade. Acho que o MP deveria liderar isso, em defesa do bom nome da instituição”, prosseguiu Gilmar.
“(Essa discussão) cria um contexto sobre os acordos de leniência. Finalizo lembrando um fato que vem sendo esquecido e que parece fundamental: que o MP não tem competência legal para fazer acordo de leniência”, concluiu o ministro.
Dados da Advocacia-Geral da União e da Controladoria-Geral da União mostram que, apenas com a “lava jato” e suas investigações derivadas, foram combinados pagamentos de mais de R$ 17,6 bilhões — esse total representa 96% dos acordos firmados de 2017 a 2022.
Ao todo, entre 2014 e 2022, 34 dos 49 acordos de leniência se referem à “lava jato” ou a investigações correlatas. O ápice financeiro ocorreu em 2017, quando foram assinadas leniências no valor total de R$ 10,4 bilhões.
Sem MPF
Em 2020, a Procuradoria-Geral da República teve a chance de integrar o grupo de instituições que aderiu a um acordo de cooperação técnica sobre leniência. O balcão único é composto por Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério da Justiça e STF.
A PGR, no entanto,negou-se a assinar o acordo técnico e ficou fora do balcão único. À época da assinatura, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF se posicionou contra a adesão, afirmando que a medida esvaziava a atuação da instituição.
Isso porque, conforme os termos propostos, a atuação do MPF ficaria reservada às investigações criminais de pessoas físicas, enquanto a legitimidade para a responsabilização de pessoas jurídicas envolvidas em corrupção, incluindo a negociação e celebração de acordos de leniência, caberia à CGU.
Revisão de acordos
O pedido de Mendonça para retirar o caso de pauta se deve às decisões dadas pelo ministro depois de uma audiência de conciliação ocorrida na segunda-feira (26/2) entre autoridades públicas e empresas que fecharam acordos de leniência com a “lava jato”.
O ministro deu o prazo de 60 dias para que as partes cheguem a um acordo sobre se revisam ou não os termos das leniências firmadas na “lava jato”.
Segundo advogados consultados, a audiência avançou dois pontos importantes para as empresas: a necessidade de reduzir os valores devidos e o uso do prejuízo fiscal para o pagamento de parcelas futuras, a exemplo do que já aconteceu em outras leniências.
O prazo de 60 dias definido por Mendonça foi dado em uma ação apresentada ao STF por PSOL, PCdoB e Solidariedade. As legendas pediram a suspensão de todas as leniências firmadas antes de agosto de 2020, quando passou a vigorar um acordo de cooperação técnica em matéria de leniência assinado por Supremo, CGU, AGU, Tribunal de Contas da União e Ministério da Justiça.
Antes dessa cooperação técnica, afirmaram os partidos, a finada “lava jato” usava os acordos para chantagear acusados. As legendas solicitaram que o STF avalie a possibilidade de revisar os acordos.
Rcl 43.007
Fonte: Consultor Jurídico
Foto: Carlos Moura/STF