A tatuagem e sua simbologia no sistema prisional

 

OBS: Análise sobre o tema tratado na Aula de Criminologia ministrada pelo Professor Prof. Dr. Matías Bailone – Obras de Lombroso “O homem delinquente” – Elízio de Carvalho “Escritos Policiais”, história natural dos malfeitores e demais autores que tratam das características relacionadas ao delinquente, a presença da tatuagem.

 

O presente artigo apresenta uma breve análise do tema das tatuagens dos criminosos, bem como as implicações sociais e jurídicas, uma das matérias abordadas na aula de Criminologia.

Para o positivismo é necessário classificar o criminoso conferindo-lhe características morfológicas. Foi então a partir dos estudos de Cesare Lombroso, italiano, estudioso de criminologia da Escola Positiva, médico do sistema prisional italiano, que desenvolveu uma série de estudos a partir de autópsias nos cadáveres dos presos.

Lombroso em brilhante obra, a qual muito contribuiu para à Criminologia foi a teoria sobre o “homem delinquente”, onde o autor analisou mais de 25 mil reclusos de prisões europeias conjuntamente com mais de seis mil delinquentes vivos e resultados de pelo menos quatrocentas autópsias (Pablos de Molina , 2013, p. 188).

Lombroso relacionava o delinquente nato ao atavismo. Logo, características físicas e morais poderiam ser observadas nesse indivíduo. De acordo com essa atribuição, o delinquente nato possuía uma série de estigmas degenerativos, comportamentais, psicológicos e sociais que o reportavam ao comportamento semelhante de certos animais, plantas e a tribos primitivas selvagens (Lombroso, 2010, p. 43-44).

Foi a partir do estudo realizado, que Lombroso constatou que entre esses homens e cadáveres existiam características em comum, físicas e psicológicas, que o fizeram crer que eram os estigmas da criminalidade.

Ao partir do pressuposto de que os comportamentos são biologicamente determinados, e ao basear suas afirmações em excesso de dados antropométricos, Lombroso construiu uma teoria evolucionista na qual os criminosos aparecem como tipos atávicos, ou seja, como indivíduos que reproduzem física e mentalmente características primitivas do homem. Sendo o atavismo tanto físico quanto mental, poder-se-ia identificar, valendo-se de sinais anatômicos, aqueles indivíduos que estariam hereditariamente destinados ao crime”. (Alvarez, 2002, p.679)

Foi nessa grande obra que Lombroso passou a identificar, dentre outras características relacionadas ao delinquente, a presença da tatuagem – esta, identificada também como um traço próprio dos povos primitivos.

Em algumas passagens de Lombroso, o autor mostra que num pequeno grupo de prisioneiros examinados, alguns foram tatuados dos 5 aos 11 anos, e a tendência era de aumentar durante a adolescência e a fase adulta. Ainda conforme o autor, percebeu-se um número maior de tatuagens entre os sujeitos considerados “loucos morais” e os “criminosos natos”, explicando que devido à sua hipoalgesia (ausência de dor), o indivíduo se submetia ao procedimento a sangue-frio. Para esses estudiosos, as causas da tatuagem apresentavam diversos sentidos etiológicos, desde motivações mais fortes e conducentes à vaidade, como a imitação, o ódio, a vigência, amor, patriotismo, política, religião, dentre outros fatores. Por fim, havia aqueles que se tatuavam por vanguarda ou vaidade, como uma posse atribuída ao mundo do crime, para que quando fossem restituídos à liberdade, as pessoas pudessem reconhecê-los[1].

Na referida obra, “O homem Delinquente”, Lombroso (2021) retrata o homem e a tatuagem no seguinte sentido: […] A primeira causa da difusão do uso da tatuagem, entre nos, creio que seja o atavismo (hereditariedade); ou a espécie de atavismo histórico, que é a tradição, como se a tatuagem fosse um dos caracteres especiais do homem primitivo e do homem em estado de selvageria  […].

Sobre a simbologia da tatuagem, Lombroso registrou que é especialmente na triste classe do homem delinquente que a tatuagem assume um caráter particular, e estanha tenacidade e difusão. Vimos já, que atualmente na milícia, os detentos apresentam uma frequência oito vezes maior de tatuagens do soldado livre; a observação torna-se tão comum, que um destes, solicitado por mim por que não tinha tatuagem, respondeu—me “porque são coisas que fazem os condenados”.

Em consonância, na tentativa de entender os sentidos e significados das tatuagens, principalmente em relação à criminologia, encontramos na literatura antiga o livro intitulado “A Tatuagem nos criminosos – Estudo feito no Posto Anthropometrico da cadeia da relação”, escrito por Álvaro Teixeira Bastos, publicado pela Escola médico cirúrgica de Porto, Portugal, em 1903.

Neste trabalho, Bastos (1903) apresenta como principal propósito o de: expor com nitidez o estado em que atualmente a tatuagem se encontra no meio prisional, as causas que mais diretamente influem na pratica dessas ornamentações indeléveis, e os caracteres que mais particulares lhe são entre delinquentes portugueses. (Bastos, 1903, p.14)

Motivado pela diversidade de pontos de vista existentes sobre as tatuagens, Bastos (1903) constrói um percurso teórico a partir dos estudos de Lombroso (1876), Lassagne (1881), M. Berchon (1860) e das pesquisas de historiadores, psicólogos, criminalistas e etnógrafos da época, que buscavam “encontrar as causas e leis que expliquem satisfactoriamente a incrustação d’esses signaes indeléveis na pele do homem” (Bastos, 1903, p.18).

Na tentativa de entender os sentidos e significados das tatuagens, principalmente em relação à criminologia realizado por esses autores, o indivíduo estaria em condições de ser aceito na sociedade por ter um seu corpo uma imagem representada por uma tatuagem? Em nosso atual contexto de sociedade e respeito aos direitos e garantias fundamentais, poderia uma tatuagem representar autênticos sinais degenerativos?

Nesse sentido, Goffman se posiciona:

A elaboração de enquadramentos sociais está relacionada à prática da estigmatização, isto é, à busca pela definição de identidades sociais específicas – em geral, depreciativas e desfavoráveis – que pudessem justificar e conceder suporte a políticas de controle e transformação social. Dessa maneira, o processo de construção de parâmetros de conduta e comportamento para uma determinada população está associado à prática da delimitação de informações sociais que certos indivíduos e grupos poderiam carregar consigo, definindo seus estigmas e tornando-os habilitados ou não para plenas condições de aceitação social (GOFFMAN, 1988, pp. 7-8).

No ocidente, a história da tatuagem por volta do século XIX por muito tempo esteve relacionada ao grupo de presos consideradas como sendo pessoas de reputação duvidosa, como os marinheiros, as prostitutas, os criminosos, prisioneiros, aos que trabalhavam em circos, aos homossexuais, os vagabundos e também aos operários e militares.

Podemos encontrar também relatos históricos de países como a França no seculo XIV, que também utilizavam a tatuagem como estigmas, marcando mendigos, ladroes, escravos, fugitivos, rebeldes e adúlteros, onde muitos castigos eram previstos inclusive em códigos que regulamentavam tais procedimentos: […] A instituição judiciária, apondo um sinal de infâmia visível aos olhos de todos os corpos, desapossa o indivíduo de toda a soberania, torna-o objeto de qualquer um, um mestre e um Estado […]  (Le Breton, 2004 p.32)

Na obra Sinais de Identidade o sociólogo LE BRETON, descreve que a tatuagem como marcas de infâmia, mas esclarece que esse uso tem se esfumaçando nos tempo atuais, porém na obra ele revele que as palavras ou figuras escolhidas também refletem uma confissão de vingança. Relata ainda que a tatuagem do meio ou dos presos traduz a vontade difusa de reclamar por sua conta o afastamento da sociedade global como se ele fosse o eleito da decisão própria do indivíduo, construindo valores socialmente desprezados, a começar desde logo pela própria tatuagem.

No Brasil, temos relatos históricos de dados relativos à incidência de criminosos tatuados nas penitenciárias brasileiras do começo do século XIX.

Foi nesse contexto a obra escrita por Elísio de Carvalho, “Escritos Policiais”, história natural dos malfeitores. Na referida obra, Elísio de Carvalho leciona que não havia tatuadores profissionais no cenário carioca, pelo contrário, muitos eram analfabetos e exerciam outras profissões como barbeiros, alfaiates e alguns mecânicos, justificando, assim, o índice de tatuagens abstratas e de baixa qualidade. Em sua obra relata ainda que muitas vezes o preso ao fazer a tatuagem sofria influência direta do próprio tatuador sobre ele, por espírito de imitação, pela sugestão do meio, pela escolha dos desenhos apresentados, e, mais ainda: era o preço que sempre determina a qualidade.

Foi somente a partir do século XIX, é que se intensificou o estudo das tatuagens no contexto prisional, quando então a criminologia passou a determinar um novo sentido às tatuagens, no que se refere aos criminosos.

Criminalmente, como visto por Rodolphe Reiss, além de ter sido considerado um estigma degenerativo, já visto por Lombroso, contribuía para a identificação em meio aos procedimentos de captura e retrato falado.

Alguns estudiosos, como José Ângulo, da Argentina, defendiam o exame das tatuagens nas prisões para entender os seus significados, pois em alguns casos, as tatuagens poderiam servir como uma espécie de comunicação secreta entre criminosos e marginais:

Partindo de todo esse histórico, no Brasil, foi feito um rico arquivo de tatuagens reunido em uma prisão de São Paulo no início do século do XX. Hoje o Museu Penitenciário Paulista abriga 2.600 fotografias e arquivos detalhados, elaborados entre 1920 e 1940, seção de Medicina e Criminologia” do complexo penitenciário do Carandiru, o acervo é conservado desde então.  Os cientistas da época acreditavam que o comportamento criminoso estava relacionado a características biológicas ou marcas físicas. Cada uma das fotografias foi depositada em um arquivo que documenta os dados pessoais do prisioneiro, o crime pelo qual ele foi condenado e se ele era reincidente, além de detalhes do desenho: quem o fez, quando, onde, de que cor, qual o tamanho e em que parte do corpo está localizado[2].

Segundo perito da Polícia Científica do Paraná Jorge Luíz Werzbitzki, as tatuagens nos corpos dos detentos das unidades prisionais no Brasil  revelam o histórico criminoso de cada um e estabelece qual será a hierarquia dentro da prisão. Feitas precariamente dentro das penitenciárias, elas são grosseiras e revelam o crime cometido, o número de vítimas e, assim como um DNA, diz quem é quem. É o que explica o perito da Polícia Científica do Paraná Jorge Luíz Werzbitzki que há dez anos estuda a comunicação entre os presos dentro do sistema carcerário do estado.

Dentro das penitenciárias, revela o perfil psicológico do criminoso e o crime que cometeu, conforme mostra o perito da Polícia Científica do Paraná Jorge Luiz Werbitzki no livro “Linguagem de cadeia” é fruto de dez anos de análise e fotografias de tatuagens de presos do sistema penitenciário. De acordo com ele, a tatuagem é um código de hierarquia dentro do presídio.

Há também estudo da simbologia das tatuagens no âmbito carcerário realizado recentemente no Brasil. O Museu da Polícia Civil do estado de São Paulo, na Academia de Polícia Civil – ACADEPOL[3], publicou listagem   contendo informações referentes a algumas tatuagens encontradas no meio prisional:

1 Águia 11 Cobra / Serpente 21 Frases religiosas
Simboliza desejo de liberdade. Localizada no peito, nas costas e nos braços Delator, pessoas traições, traidor Muito utilizada no meio carcerário
2 Âncora 12 Coração com flecha Amor de mão 22 Folha de maconha
Nos braços significa esperança, proteção, segurança Homossexualidade, atualmente não tem o mesmo significado, enquanto o coração flechado sem os dizeres, mantém o significado de homossexualidade. A ‘’frase amor de mãe’’, sem o coração, também indica a homossexualidade. Usuário de droga
3 Arma(revólver, pistola, fuzil) 13 Coração com duas flechas 23 Gnomo
Praticante de roubo/ latrocínio. Fuzil – o indivíduo usa esse tipo de arma para praticar o delito Tatuagem de um homicida 1919. Envolvimento com tráfico de drogas
4 Bola de Sinuca 14 Coringa 24 Índia
Integrante de facção criminosa Indivíduo de alta periculosidade. Matador de policiais. Roubo Comum em traficantes das décadas de 80 e 90 no rio de Janeiro
5 Bomba/ Explosivo 15 Cruz com caveira no centro 25 Letras/Nomes
Participação em roubos e caixas eletrônicos carro forte Nas costas. Indivíduo de alta particularidade, ponta firme lealdade com colegas de cela Recordação de alguém da família, namorada, amante. Abreviação de alguma facção criminosa
6 Borboleta 16 Cruz com velas no chão 26 Mago
Homossexual tatuagem feita à força na cadeia Indivíduo de alta periculosidade, manda matar, ponta firme. Os detentos que possuem têm a confiança do grupo. Envolvimento com tráfico de drogas
7 Caravela 17 Demônio 27 Morte com foice
Peito, lado esquerdo, anseio por liberdade Homicídio/Pacto com o diabo/elemento de alta periculosidade. Mata por prazer. Justiceiros, grupos de extermínio
8 Carpa 18 Duende 28 Mulher nua
Integrante de facção criminosa Envolvimento com Drogas Viciados em drogas injetáveis
9 Caveira com punhal encravado 19 Escorpião 29 Nossa Senhora
Matador de policiais Integrante de facção criminosa No peito: símbolo de proteção. Nas costas: praticou estrupo e foi violentado na cadeia   Nas mãos e braços: Individuo de alta periculosidade, homicida
10 Cifrão 20 Estrela de 5 ou 6 pontas 30 Números
Roubo Homicida. A estrela 5 pontas com um ponto em cada extremidade. Tem o mesmo significado. Datas importantes ou indicação de especifica facção criminosa
31 Palhaço 36 Pomba 41 Sereia
Roubo. Matador de policiais. Sorte, lucro com o crime Estuprador, homossexualidade. A tatuagem é feita à força na cadeia
32 Papa- léguas 37 Punhal com sangue 42 Teia de aranha
Traficante de drogas, geralmente utilizam motos (RJ) Elemento destemido, cometeu homicídio utilizando arma branca. Lembrança de cúmplices mortos tatuada nas mãos, antebraços e cotovelos.
33 Pontos nas mãos 38 Rosa / Flores 43 Túmulo / Sepultura
3 pontos – Tráfico Estuprador/ homossexual. A tatuagem é feita a força na cadeia Homicida. Aquele que guarda segredos, é considerado pessoa ponta firme.
34 Pontos nas mãos 39 Saci 44 T X P
5 pontos – roubo Tráfico de drogas. Muito usada na década de 80, em desuso atualmente. Apelido tatuado com agulha de crochê (Febem, SP, 1999)
35 Pontos no rosto 40 São Sebastião com Flechas 45 Yin Yang
Estuprador/ Homossexual. A tatuagem é feita à força na cadeia. Na perna, preso homossexual, a tatuagem é feita á força na cadeia. Integrante de facção criminosa

 

SIGNIFICADOS DAS TATUAGENS – SEM ILUSTRAÇÕES

 

Boneco Chuck Cristo Figura Feminina
Indivíduo de alta periculosidade, matador de policiais Quando crucificado, identifica o preso latrocina. Sem cruz, indica devoção Lembrança de amante, esposa, mãe, filha
Cruz Suástica (Nazista) Espada cruzadas ‘’ Vida Loka’’
Crimes Intolerância Indica proteção de origem Indivíduo que não mede as consequências para praticar delito.
Cadeado com chave Espada de São Jorge Punhal com cobra enrolada
O indivíduo possui segredos Indica proteção de origem. Desenhada na perna esquerda. Delator, traidor.

 

Pois bem, partindo dessa premissa e embora em nossa atual sociedade a tatuagem para alguns seja um fenômeno cultural, certo também que em muitos casos ela ainda configura estigma, pois até hoje ela ainda representa um código de identificação do criminoso, principalmente para os profissionais da segurança pública. Isso quer dizer que, o desdobramento da tatuagem na prisão é tido como uma forma de expressão, identificação, se o indivíduo pertence a determinado grupo, partindo de um contexto estigmatizante e marginalizante do cárcere.

 

[1] VIDA POLICIAL. Rio de Janeiro: 08/08/1925. In: Hemeroteca Digital.

[2] EL PAIS, Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/25/album/1572033652_349076.html

[3] Lista com o significado oculto de tatuagens do sistema prisional repercute nas redes. Disponível em https://odia.ig.com.br/brasil/2023/08/6694209-lista-com-o-significado-oculto-de-tatuagens-do-sistema-prisional-repercute-nas-redes.html

 

Herika Ratto

UBA – UNIVERSIDAD DE BUENOS AIRES

MAESTRIA EM DERECHO PENAL

Mestranda: Herika Cristina dos Santos Ratto

Professor: Prof. Dr. Matías Bailone