O Acordo de Não Persecução Penal foi incorporado à legislação brasileira em 2019 através da Lei 13.964.
Trata-se de um instituto de natureza processual penal, porém com inegável repercussão na esfera da liberdade do cidadão, portanto dotado de natureza material.
Em sendo assim, retroage para beneficiar o réu.
Diz o art.5º XL da Constituição Federal que “A LEI PENAL NÃO RETROAGIRÁ, SALVO PARA BENEFICIAR O RÉU.”
Só por esta dicção, já bastaria a aplicação imediata e incondicional do princípio da retroatividade de lei penal mais benéfica, afinal reside o mandamento na Carta Constitucional.
Mas para além desta prescrição impositiva, o art.2º parágrafo único do Código Penal estabelece “A LEI POSTERIOR, QUE DE QUALQUER MODO FAVORECER O AGENTE, APLICA-SE AOS FATOS ANTERIORES, AINDA QUE DECIDIDOS POR SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO.”
Mais claro, explícito e induvidoso impossível!
Diante da meridiana clareza da lei e da Constituição Federal, cabe ao intérprete, obviamente, aplicar em seu literal sentido o que diz a codificação positiva.
Ocorre que, inadvertidamente, parte do colegiado do Supremo Tribunal Federal está avançando claramente o sinal ao criar óbices e restrições não previstas em lei para operar a retroatividade do instituto.
Sim, alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal estão legislando em matéria processual penal ao inovar a pretexto de interpretar. É bem verdade que a matéria ainda não está pacificada no alto sodalício, porque pendente de definição ante pedido de vista de um dos seus membros.
Todavia, dos votos colhidos até o momento, afiguram-se presentes obstáculos à retroatividade do Acordo de Não Persecução Penal como a exigência de postulação antes da sentença de primeiro grau, a inexistência de trânsito em julgado e a prova de que a defesa postulou o benefício na primeira manifestação após o advento da lei nova.
Inadmissível!
Como reagiriam institucionalmente os Ministros da Suprema Corte se, diante de uma decisão por eles prolatada, deputados e senadores modificassem o seu teor, alargando-a ou restringindo-a, a pretexto de interpretá-la?
Pois é exatamente o que a cúpula do Poder Judiciário está fazendo com o Poder Legislativo Federal. Vou além: atentando contra a essência benfazeja do próprio instituto cujo sentido é claramente favorável ao cidadão.
O Acordo de Não Persecução Penal é despenalizador, francamente favorável à própria justiça criminal, não merecendo sofrer embaraço na sua interpretação, tampouco reservas restritivas, obstativas e impeditivas a sua retroatividade.
Trata-se de decisão contra lei e frontalmente hostil à Carta Magna.
Todos os casos, sem exceção, que eventualmente acorram ao Judiciário para a postulação da retroatividade de lei benéfica que afeta a liberdade individual devem ser, por imposição legal, integralmente atendidos, sem óbices disfarçados de exegese ou hermenêutica.
Assim agindo, o Poder Judiciário respeitará o princípio da tripartição dos poderes, sendo o aplicador das leis, não o seu elaborador.
É o que se espera de um poder constituído em um Estado democrático de Direito!
Fábio Trad – Advogado e Professor