Relatório Ativismo Cercado aponta diagnóstico da criminalização das lutas sociais em São Paulo

Pesquisa feita por grupo de lideranças e ativistas traz mapeamento inédito das formas de violências e ameaças sofridas por defensores/as de diretos humanos na capital

Foto: Banco de imagens | iStock | Filippo Bacci

Ativismo cercado: um diagnóstico da criminalização das lutas sociais em São Paulo, relatório lançado agora pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), foi elaborado a partir do diagnóstico de 55 casos de ativistas com atuações em diferentes pautas e territórios de São Paulo e apresenta um mapeamento inédito sobre as formas de criminalização, perseguição, violências e ameaças sofridas por lideranças e pessoas envolvidas na defesa dos direitos humanos.

“O relatório é resultado da primeira fase do projeto ‘Defesa de Defensores de Direitos Humanos: redes de empoderamento legal, incidência e proteção’, que reuniu ativistas para trocar experiências e traçar estratégias de enfrentamento da criminalização de lideranças, entidades e movimentos sociais urbanos”, afirma Marina Dias, diretora-executiva do IDDD.

Entre os dados levantados, a abordagem policial foi o principal meio de constrangimento identificado; em 56,4% dos casos a perseguição foi praticada pela Polícia Militar; 67,3% dos casos mapeados foram de mulheres e 61,8% de pessoas negras; em 61,8% dos casos, o/a defensor/a de direitos humanos se articulou em rede com outros movimentos para se proteger em 36,4% dos casos, o/a defensor/a de direitos humanos procurou defesa jurídica.

O mapeamento foi feito por um grupo de nove ativistas e lideranças de movimentos sociais, que coletou e sistematizou relatos de casos de pessoas que sofreram criminalização ou ameaça de criminalização em razão de suas atuações na defesa de direitos. O grupo entendeu que o conceito de “criminalização” também abarca, além das condutas previstas como delito na legislação brasileira, a perseguição política feita por agentes, estatais e não estatais, como forma de fazer cessar a ação daqueles/as que buscam a garantia de direitos individuais ou coletivos.

Para Vivian Peres, coordenadora de Programas do IDDD, o esforço foi de formar um grupo diverso para abarcar pautas e lutas sociais que pudessem expressar a variedade de situações e dificuldades enfrentadas pelos defensores de direitos humanos no contexto urbano, nas regiões centrais e nas periferias da cidade de São Paulo, bem como sua região metropolitana. Também foram contempladas diferentes áreas de atuação e estruturas de organização – grupos que atuam dentro e fora da institucionalidade, com ou sem recursos financeiros estatais e/ou de fundos privados.

Os processos de perseguição política se destacaram em três espaços mapeados: movimentos que atuam na Cracolândia, movimentos por direito à moradia e grupos de familiares de pessoas presas e sobreviventes do sistema prisional.

A partir do levantamento de dados, o mapeamento buscou sistematizar experiências de perseguição política sofridas por ativistas e as estratégias de intimidação. O material apresentado agora, embora não seja uma lista acabada de situações de criminalização e ameaças de criminalização na cidade de São Paulo e sua região metropolitana, tem como objetivo servir de instrumento para que a sociedade civil e os movimentos sociais avancem na compreensão de como tem se dado a repressão e a perseguição política institucionalizada.

Parte do projeto “Defesa de Defensores/as de Direitos Humanos: redes de empoderamento legal, incidência e proteção”, desenvolvido desde 2021, esse é um novo passo do IDDD para avançar no tema, que conta com a participação de militantes e líderes de diversos movimentos sociais e nossos/as advogados/as criminalistas associados/as, com objetivo principal de buscar fomentar redes de proteção e ferramentas de defesa de ativistas.

Dados do mapeamento de criminalizações e ameaças de criminalização:

– Foram mapeados 55 casos: 36 de ameaça de criminalização e 19 de criminalização.

– Nos 19 casos de criminalização, foram identificados os seguintes tipos penais: furto, esbulho possessório, associação criminosa, receptação, tráfico de drogas, incitação ao uso de drogas, dano, desacato e roubo.

– 67,3% dos casos mapeados foram de mulheres e 61,8% de pessoas negras.

– Em 56,4% dos casos a perseguição foi praticada pela Polícia Militar.

– Em 61,8% dos casos, o/a defensor/a de direitos humanos se articulou em rede com outros movimentos para se proteger.

– Em 36,4% dos casos, o/a defensor/a de direitos humanos procurou defesa jurídica.

– A abordagem policial foi o principal meio de constrangimento identificado.

Mapeamento

Aspecto fundamental apontado no levantamento para a repressão e a dissuasão do engajamento político foi a roupagem legal que reveste as perseguições que vêm sendo praticadas: ativistas, muitas vezes, são acusados por “crimes comuns”, como furto, tráfico de drogas, entre outros. Dessa forma, investigações policiais, processos criminais e ameaças de criminalização por policiais e outros agentes do Estado convertem-se em meios para sufocar o ativismo em diferentes contextos.

Os principais padrões de táticas utilizadas pelo Poder Público para estigmatizar, intimidar, constranger e retaliar movimentos sociais são: 

Inquérito policial; abordagem policial; prisão/detenção; invasão de domicílio ou da sede da organização; processo não-criminal; processo criminal; ameaça de morte.

Nas estratégias de defesa, o relatório também estabeleceu uma padronização a partir dos relatos sobre quais foram adotadas:

Defesa jurídica; afastamento da atividade política; articulação em rede com outros movimentos; publicitação do caso; acionamento de entidades/organizações do terceiro setor; acionamento da imprensa; acionamento de parlamentares.

Novas perspectivas

O sistema de justiça brasileiro impossibilita qualquer perspectiva de paridade de forças entre o Estado e uma pessoa investigada, acusada ou condenada criminalmente. Isso não é diferente quando se fala de ativistas criminalizados/as. O compartilhamento de informações tanto sobre a perseguição como sobre as estratégias de enfrentamento a esse tipo de arbitrariedade estatal é fundamental e constitui uma ferramenta de proteção identificada no mapeamento. “As particularidades da criminalização são muitas e diversas e o que este projeto reforça é que somente a atuação em rede, coletiva e a partir de uma perspectiva totalizante da situação é capaz de ser páreo para enfrentar essa situação”, descreve a conclusão do relatório.

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Fonte: Direito de Defesa