75% das pessoas que participaram de audiências de custódia em Campo Grande, no último ano, eram negras

A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, através de seu Núcleo Institucional Criminal (Nucrim) e da Coordenadoria de Pesquisas e Estudos (Cpes), divulga recentemente estatísticas referentes a audiências de custódia realizadas em Campo Grande ao longo dos últimos 12 meses.

No mês da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, um triste dado chama atenção: das 3.309 audiência de custódia realizadas em Campo Grande (de novembro de 2022 e novembro de 2023), 2.483 indivíduos declararam ser negros (pretos e pardos), ou seja, 75% dos custodiados. A Defensoria Pública do MS assistiu 1.644 dessas pessoas.

Esses números indicam um aumento comparado aos anos anteriores. No período de março de 2021 (quando começaram os levantamentos) a outubro de 2022, das 4.878 audiências de custódia, 71,5% das pessoas se declararam negras, incluindo 634 pretos e 2.852 pardos.

O coordenador do Nucrim, defensor público Daniel Calemes, pontua que os números chamam a atenção e merecem reflexão, considerando que as audiências de custódia fornecem um relevante panorama da porta de entrada no sistema prisional.

“A questão racial ainda é refletida no sistema penitenciário brasileiro por uma série de fatores interligados. Existem desigualdades estruturais e históricas que afetam diretamente a população negra, como o acesso limitado à educação de qualidade, oportunidades de emprego, moradia adequada e serviços de saúde. Essas disparidades socioeconômicas contribuem para um maior envolvimento de pessoas negras em situações de vulnerabilidade e, consequentemente, no sistema penal. Além disso, há evidências de preconceito e discriminação racial no tratamento dado pela polícia, pelo sistema judiciário e pelos agentes penitenciários. A seletividade penal também desempenha um papel importante, resultando em um maior monitoramento e encarceramento de indivíduos negros, muitas vezes desproporcionalmente em relação a outros grupos étnicos. Esses fatores combinados perpetuam um ciclo de injustiça racial no sistema penitenciário brasileiro. Para combater essa realidade, é necessário implementar políticas e reformas que promovam a igualdade de oportunidades, o combate ao racismo estrutural e a adoção de abordagens mais humanizadas e ressocializadoras no sistema de justiça criminal”, pontua o coordenador.

Dados mais detalhados apresentam que — do total de audiências —, 2196 pessoas se apresentaram com gênero masculino, 248 como mulheres e 24, independentemente do gênero, se intitularam integrantes da comunidade LGBTQIA+. O levantamento mostra ainda que a maioria está entre os 18 e 24 anos, e 455 não possuíam documentos.

Ocupação e escolaridade

Ao se tratar da situação ocupacional, destacam-se que 1208 atuavam com autônomos no momento da audiência, 310 se encontravam desempregados, e 19 atuavam como funcionários públicos.

No quesito escolaridade, 23 nunca frequentaram a escola, 30 eram analfabetos funcionais, 1213 possuíam o fundamental incompleto e 48 o superior completo.

Filhos, sustento e cuidados

Ao se tratar de filhos, 1589 se declararam pais e mães, sendo 869 genitores de crianças menores de 6 anos, e 641 de crianças entre 6 e 12 anos, garantindo a mulheres, a substituição da prisão preventiva, pela domiciliar ou outra medida cautelar.

Ainda neste contexto, 644 afirmaram ser responsáveis pelo sustento, e outras 511 pessoas responsáveis parcialmente. Além do sustento, 512 afirmaram serem responsáveis também pelo cuidado das crianças. Nos 12 meses analisados, 17 pessoas estavam grávidas e 22 eram lactantes.

Saúde

Na questão da saúde, 633 afirmaram possuir doença, sendo 567 de enfermidades que exigem controle, 48 infectocontagiosas e 17 que não exigem controle. Ainda sobre o total, 348 afirmaram realizar tratamento e 341 fazerem o uso de medicação.

Nas audiências, somaram 34 pessoas com deficiência física e cinco com deficiência intelectual.

Uso de drogas

No momento da prisão, 641 estavam sob efeito de substâncias psicoativas, sendo que 462 afirmaram já ter feito tratamento e 1085 desejam passar por tratamento.

Informações criminais e processuais

Neste recorte do levantamento das 3309 audiências, 84,82% das pessoas negras afirmaram ter sofrido violência policial física, verbal e psicológica durante a abordagem, sendo que 98% do mesmo grupo afirmaram também ter sofrido violência policial física, verbal e psicológica na delegacia.

O material do Nucrim também aponta que enquanto 761 eram reincidentes, 568 eram primários, sem registro e 1119 primários com registro.

Do total, 2027 pessoas foram presas por crimes sem violência ou grave ameaça, mesmo assim, 1256 tiveram a conversão da prisão em flagrante em preventiva sob o fundamento de garantir a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

Audiência de custódia

A audiência de custódia é um procedimento previsto no art. 310 do Código de Processo Penal, onde a pessoa detida em flagrante é apresentada perante um juiz em um prazo máximo de 24 horas após a detenção. Durante essa audiência, o juiz avalia a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão, podendo decidir pela liberação do detido, imposição de medidas cautelares ou pela manutenção da prisão. Essa prática também visa a prevenção e a denúncia de casos de tortura ou maus-tratos durante a detenção.

Defensoria Pública/Danielle Valentim