Lei impede que cidadão apresente ação contra a União em vara federal da capital, quando houver juizado especializado na cidade onde mora
O Ministério Público Federal (MPF) defende a inconstitucionalidade da norma que impede o cidadão de ajuizar ação contra a União e entidades da administração indireta na vara federal da capital de seu Estado, quando houver juizado especial com competência para julgar o caso no município de sua residência. A regra está prevista em dispositivo da Lei 10.259/2011, questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele estabelece que, nos municípios onde houver vara de juizado especializado, será de sua competência exclusiva o processamento e o julgamento de processos contra órgãos federais.
“Ao reduzir as opções de escolha do jurisdicionado quanto ao foro para o ajuizamento de ações contra a União ou entes federais, a norma vai de encontro às diretrizes constitucionais de facilitação do acesso ao Judiciário e de proteção à parte mais vulnerável da relação jurídico-processual”, afirma a procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, em parecer enviado à Corte. A manifestação se deu no Recurso Extraordinário 1.426.083/PI, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1277). Ou seja, o resultado do julgamento valerá para todos os casos que tratem ou venham a tratar do tema.
Conforme prevê o artigo 109 da Constituição Federal, as ações contra a União poderão ser ajuizadas na seção judiciária do estado em que o autor residir; naquela onde houver ocorrido o fato que deu origem à demanda; ou ainda no Distrito Federal. Segundo a PGR, a Carta Magna garante ao jurisdicionado optar pelo foro para ajuizamento desse tipo de ação, não podendo uma lei restringir esse direito de escolha. “Desse modo, garantir ao jurisdicionado a faculdade que lhe é conferida pela Constituição significa dar primazia aos preceitos constitucionais pertinentes ao devido processo legal, favorecendo o acesso à Justiça e preservando a vulnerabilidade dos titulares do interesse vindicado”, sustenta.
Ainda de acordo com a PGR, é dever do Estado garantir a todos o acesso à Justiça e que, por meio do Poder Judiciário, seja disponibilizada uma tutela efetiva, capaz de proporcionar o concreto usufruto de seus direitos, fazendo-se cumprir aquilo que a Constituição estabeleceu como garantia fundamental. “As normas que se mostrem na contramão desses comandos, cuja aplicação dificulte o acesso ao Judiciário ou represente obstáculo à entrega da prestação jurisdicional, estarão em desconformidade com o ordenamento jurídico-constitucional”, concluiu.
Jurisprudência – Na manifestação, Elizeta cita casos anteriores julgados pelo STF, em que a Corte afirmou ser possível que uma pessoa residente no interior apresente ação em varas da capital do estado onde mora. Além disso, ela lembra que o Supremo já firmou orientação no sentido de que o artigo 109 da Constituição Federal também deve ser aplicado aos processos envolvendo a administração federal indireta.
A PGR sustenta ainda que a interiorização da Justiça Federal não pode se converter em obstáculo ao cumprimento da Constituição Federal, que assegura a possibilidade de propor ação contra a União na capital do estado onde o autor reside. “A criação de varas federais no interior dos Estados tem por finalidade facilitar o acesso à Justiça, não podendo a ampliação dos órgãos significar embaraço à busca pela entrega da prestação jurisdicional”, pondera.
Pedido – O recurso contra a validade do dispositivo teve origem em ação ajuizada por uma cidadã do interior do Piauí contra a Fundação Nacional de Saúde. O processo foi extinto, sem resolução de mérito, pois a Justiça Federal no Estado entendeu que a autora não poderia ter ajuizado a ação na vara de Teresina, já que havia juizado com competência para atuar na Subseção Judiciária de Picos, responsável pela área onde ela residia.
Diante do exposto na manifestação, a PGR pede que seja reconhecida a inconstitucionalidade da regra prevista no parágrafo 3º do artigo 3º da Lei 10.259/2001 e sugere a fixação da seguinte tese:
“É inconstitucional a regra de competência absoluta prevista no art. 3º, § 3º, da Lei 10.259/2001, podendo a parte optar pelo ajuizamento da ação contra a União ou ente da Administração Pública indireta perante o Juízo Federal do seu domicílio ou nas Varas Federais da capital do Estado-Membro, mesmo quando instalada Vara do Juizado Especial no município em que domiciliada, nos termos do art. 109, 2º, da Constituição Federal.”