Campo Grande/MS, 25 de abril de 2025.
Por José Trad.
O caso da onça e suas repercussões jurídico-penais Causou comoção e perplexidade nacional a morte do caseiro Jorginho, atacado por uma onça numa propriedade rural localizada às margens do encontro dos rios Miranda e Aquidauana, na belíssima região pantaneira conhecida como Touro Morto, em Mato Grosso do Sul.
Em entrevista coletiva concedida ontem, autoridades ambientais levantaram a hipótese de que o animal estaria sendo constantemente alimentado na propriedade, em prática conhecida popularmente como “ceva”.
Na mesma oportunidade, as autoridades fizeram um apelo para que não se inicie uma caçada à espécie, pois o ataque a humanos é considerado evento raro e é preciso ainda investigar o que motivou esse comportamento do felino, que atrai inúmeras pessoas do Brasil e do mundo para o turismo de observação no pantanal.
Tem-se dito na imprensa que a prática de alimentar animais silvestres pode configurar crime ambiental, ante a possibilidade de se configurar maus tratos, crime previsto no artigo 32 da Lei 9605/98, que tipifica, ou seja, criminaliza as condutas de praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, punindo-as com pena de detenção de três meses a um ano.
Entretanto, alimentar animal silvestre sem a intenção de praticar maus tratos não configura, salvo melhor análise, o crime ambiental previsto no artigo 32 da Lei 9605/98, uma vez que não se terá dolo na conduta.
Poder-se-ia dizer que leis estaduais equiparam a prática de alimentar animal silvestre aos maus tratos, todavia essa equiparação feita por lei estadual não pode definir condutas criminosas, pois tal tarefa é de competência exclusiva do legislador federal, a teor do artigo 22, I, da Constituição Federal.
Seja como for, apesar de ser discutível, pelas razões expostas, a configuração de crime ambiental na conduta de alimentar animal silvestre sem a intenção de praticar maus tratos, é certo que, além da possibilidade do Judiciário vir a fazer interpretação diversa, entendendo pela configuração de crime ambiental, tal conduta pode ser considerada infração ambiental, sujeitando o infrator a multa, além de outras penalidades administrativas.
No que diz respeito à conduta de matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida, não há, como não poderia haver, qualquer dúvida.
Trata-se de crime ambiental, expressamente previsto no artigo da Lei 9605/98, com pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, que é aumentada de metade, se o crime é praticado contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração, em período proibido à caça, durante a noite, com abuso de licença, em unidade de conservação ou com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa. E até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.
Embora o ataque de onça a humanos seja considerado um evento raro, o importante é seguir a orientação e a recomendação das autoridades ambientais, tanto para evitar problemas legais como para se diminuir os riscos na majestade da natureza, “onde o perigo e a melodia se enlaçam”[1].
José Trad, advogado, pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo IBCCRIM-Coimbra e em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS.