Campo Grande/MS, 24 de abril de 2025.
Por Tiago Bana Franco.
– Bana, eu sei que você é ignorante e incapaz de ler um livro como este, além de não ter dinheiro para comprá-lo, mas dê uma olhadinha para ver se te interessa. O preço, a gente negocia, porque não quero privá-lo desse prazer só porque é pobre.
Depois de trinta minutos de conversa, em que Feitosa conta suas histórias e explica sua visão de mundo monocular – já que seu olho direito parece ser de vidro –, ele me aborda com frases assim. E me mostra então o que há de melhor na literatura, com o intuito de vender-me livros e mais livros, os quais jamais leria numa só vida. E os vende por preços altíssimos, muito mais salgados do que pagaria se os adquirisse em sebos virtuais; mas eu os compro, pois realmente são joias negociadas depois dessas investidas que só as antigas e amistosas relações (nem só) comerciais permitem.
Uma das reclamações premonitórias do Feitosa, feitas antes da provocação que leva à compra de mais um clássico – um reclamo que me faz parar para pensar – é a de que sua profissão acabará em poucos anos. E não apenas por ser facílimo comprar livros pela internet hoje em dia, mas porque as pessoas, no Brasil, abdicaram da leitura. Até mesmo aqueles que vivem (ainda que no imaginário popular) de ler e escrever, como é o caso dos advogados, abandonaram esse hábito.
Olvida-se que a leitura não só aprimora a escrita, o raciocínio e até o paladar, como também permite que quem lê viva vidas que jamais viveria, conheça pessoas com quem seria impossível conviver pela distância dos anos ou das léguas, amplia o horizonte imaginativo para colocar dentro dele uma gama de experiências que uma vida só não daria conta de abarcar.
Seria realmente impossível a alguém sentir angústia tamanha como aquela da qual padeceu Raskólnikov em Crime e Castigo. Ou encontrar quem seja tão mesquinho quanto o pai Séchard, de Ilusões Perdidas. Quem conheceria santos tão humanos, mas tão estranhos, se não lesse O Idiota ou o Diário de um Pároco de Aldeia? Alguém poderia sair da Irlanda para aventurar-se na África e, ao fim, morrer depois de ser julgado traidor em Londres por ter iniciado as atividades do IRA, como Roger Casement em O Sonho do Celta…
São essas possibilidades – essas experiências que uma só jornada sobre a Terra seria incapaz de proporcionar ao mais longevo dos homens – às quais as pessoas deixam de se abrir quando não leem. E tais vivências realmente permanecerão fechadas, porque, dos livros, ninguém mais quer saber. Para a tristeza imediata do Feitosa, e para a infelicidade mediata de toda uma geração.