Campo Grande, 06 de março de 2024
Quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza alguém a importar sementes de maconha para fins medicinais, há se considerar também permitido o cultivo da erva, desde que ele não se desvirtue do objetivo terapêutico.
Com essa fundamentação, a 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu habeas corpus a um publicitário preso em flagrante por tráfico de drogas, porque em seu apartamento, na Capital, policiais civis apreenderam 16 plantas de cannabis sativa.
A defesa juntou relatórios médicos, receitas e documentos comprovando que o réu é diagnosticado com depressão, faz tratamento com o óleo extraído da cannabis sativa e foi autorizado pela Anvisa a importar sementes da planta.
“Muito embora a aludida autorização faça referência apenas à importação da substância, a jurisprudência desta corte tem se posicionado pela sua extensão ao cultivo domiciliar com fins terapêuticos a depender do caso concreto”, anotou o desembargador Ulysses Gonçalves Junior.
Relator do HC, Gonçalves já havia manifestado esse mesmo entendimento ao conceder liminar ao publicitário, a fim de que ele fosse solto de imediato, mediante a fixação de medidas cautelares a serem definidas pelo juízo de primeiro grau.
No julgamento do mérito do HC, o desembargador acrescentou que o réu deve responder à ação penal em liberdade por ser primário, não haver indícios de eventual dedicação sua no tráfico de entorpecentes e por estar cumprindo devidamente as cautelares impostas.
Os desembargadores Nelson Fonseca Júnior e Fábio Gouvêa seguiram o relator e o colegiado derrubou de vez a decisão da juíza Marcela Dias de Abreu Pinto Coelho, que na audiência de custódia havia convertido em preventiva a prisão em flagrante do acusado.
Segundo ela, a versão do autuado de que a droga se destina ao consumo próprio e ao uso medicinal restou isolada, ao menos em análise preliminar. “Com efeito, nenhuma prova documental foi produzida no sentido de chancelar as alegações do custodiado.”
Os advogadosIvan Sid Filler Calmanovici, Samira Rodrigues Pereira Alves, César Caputo Guimarães e Alan Fehér Zilenovski defendem o publicitário e apresentaram no pedido de HC argumento oposto ao da juíza. “Apenas para colocar os pingos nos ‘is’, destaca-se que denúncia anônima foi referente a ‘cultivo irregular de cannabis’, sem informar o exato fim. Todavia, enquanto o acusado provou ser usuário de cannabis, a investigação não demonstrou qualquer elemento indicativo de venda de drogas”.
Os defensores sustentaram que a quantidade de plantas de cannabis sativa, de maconha e de óleo já extraído da erva apreendida no imóvel do publicitário é compatível com o tratamento recomendado ao cliente.
Segundo os advogados, ele faz uso exclusivamente medicinal da substância e com orientação médica, optando por realizar a própria produção porque ficou sem condições de sustentar financeiramente a terapia, devido aos elevados custos para a importação do medicamento à base de canabidiol.
Por fim, a ausência dos requisitos autorizadores da preventiva foi alegada pela defesa. Conforme ela, o constrangimento legal sofrido pelo publicitário com a prisão cautelar também é detectável mesmo na hipótese de eventual condenação, porque o acusado faria jus à aplicação da regra do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 (tráfico privilegiado), sendo-lhe imposta pena em regime aberto, “uma vez que inexistem provas de vínculo do paciente com o crime organizado”.
Com autorização judicial, equipe do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) revistou a moradia do acusado em 27 de setembro de 2023. Até a concessão da liminar, ele ficou encarcerado por 26 dias.
As cautelares que lhe foram impostas são as de comparecer mensalmente em juízo para informar atividades, manter endereço atualizado e de proibição de se ausentar da comarca por mais de oito dias sem prévia comunicação ao juízo. O mérito do HC foi julgado no último dia 27 de fevereiro.
HC 2277816-40.2023.8.26.0000
Fonte: Consultor Jurídico
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